Entre nomear e rotular: o lugar do diagnóstico na clínica gestáltica
- Beatriz Cristina

- 4 de nov.
- 3 min de leitura
Como compreender o sofrimento sem reduzir o sujeito a um nome?
O gesto de nomear: quando o diagnóstico acolhe ou aprisiona
É cada vez mais comum ouvir frases como:
“Acho que tenho ansiedade.”
“Meu terapeuta anterior disse que posso ter borderline.”
“Vi um vídeo e acho que sou depressiva.”
Essas falas não nascem de vaidade. Elas vêm de uma tentativa legítima de compreender o que dói, de dar forma ao que ainda é confuso.
Nomear pode trazer alívio. Mas, às vezes, o nome que alivia também aprisiona. É sobre esse equilíbrio delicado que a Gestalt-terapia nos convida a refletir.
A psicopatologia como expressão do contato
Na perspectiva gestáltica, o diagnóstico não é uma sentença: é uma lente. Ele não fala de doenças, mas de modos de existir que se cristalizaram, perdendo movimento e flexibilidade.
Daniela Magalhães e Carla Machado, organizadoras do livro Psicopatologia na clínica gestáltica, lembram que o sofrimento é sempre expressão de um contato em dificuldade, e não um problema isolado dentro da pessoa.
Por exemplo:
Aquela pessoa “ansiosa” pode estar vivendo um tempo em que o futuro invadiu o presente: uma tensão constante entre o que é e o que ainda não veio.
Quem sente o peso da “depressão” pode estar num campo em que o contato se retraiu: quando nada mais toca, e o tempo parece suspenso.
E quem é visto como “instável” talvez esteja apenas tentando reaprender a se sustentar depois de se moldar demais aos outros.
Em cada caso, há mais do que um diagnóstico: há histórias de tentativas de permanecer em contato com a vida.

O diagnóstico como mapa, não identidade
O diagnóstico pode ajudar o terapeuta a se orientar. Mas ele não define quem a pessoa é. Na Gestalt, o diagnóstico é um mapa, nunca o território.
Pense em quem recebe um diagnóstico e sente alívio:
“Ah, então o que eu sinto tem nome.”
Esse nome pode organizar, dar contorno. Mas quando vira identidade: “sou ansiosa”, “sou depressivo”, “sou borderline”, ele passa a limitar a experiência.
A Gestalt propõe o contrário: abrir espaço para o fenômeno se mostrar. Antes de classificar, olhar o que se apresenta no aqui e agora.
Rotular é esquecer o encontro
Rotular é como fechar uma janela que ainda mostrava movimento. Quando o diagnóstico vira rótulo, o encontro se perde.
O terapeuta deixa de escutar o que há de único no sofrimento e passa a ouvir apenas a categoria. A clínica gestáltica nos lembra que escutar é um ato ético: um gesto de presença, não de pressa.
O diagnóstico, quando nasce do encontro, é um gesto de cuidado.Mas quando nasce da distância, se torna uma forma de controle.
O sofrimento como campo, não falha
Na visão gestáltica, o sofrimento não está “dentro” de alguém, ele acontece no campo relacional. É o modo como a pessoa e o mundo se tocam, se afastam, se ajustam.
Quando o contato se interrompe, o corpo fala, a palavra trava, a presença oscila. E o que chamamos de “sintoma” passa a ser uma forma de sobreviver, um pedido de reconhecimento.
O trabalho clínico é acompanhar esse pedido, sem pressa de entender, sem vontade de consertar, com disposição de estar junto no que se mostra.
Entre o saber e o não saber
Talvez, ao ler este texto, você se reconheça nessa busca: querer entender o que sente, colocar nome no que confunde. Isso é legítimo, é humano querer compreender a própria dor.
Mas a Gestalt-terapia nos convida a outro movimento:em vez de perguntar “O que eu tenho?”, perguntar “Como estou me relacionando com o mundo agora?”.
Esse deslocamento muda tudo. Porque devolve ao sofrimento o que ele tem de vivo e possível.
Diagnosticar é útil. Mas encontrar-se é transformador.
E talvez a clínica seja esse espaço: onde o nome que antes pesava começa a abrir espaço para o contato,e o que era sintoma começa a se tornar gesto, palavra, presença.
Referência: ALEGRIA, Carla Machado; SILVA, Daniela Magalhães da (orgs.). Psicopatologia na clínica gestáltica: expressões do contato em sofrimento. Curitiba: Juruá, 2022.
Entre nomear e compreender, há o gesto de escutar e o tempo que
cada vida precisa para se dizer
Talvez o próximo passo seja apenas poder falar sobre o que tem doído,
com tempo, com tato, com presença
Beatriz Cristina de Miranda Barbosa I CRP: 06/182287
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